Meninas escrevem diários, meninos fazem power pop

Tá escrito na Bíblia musical: meninas escrevem diários e meninos escrevem canções de power pop. Tá certo que toda regra tem a sua exceção, mas há de se convir que as linhas de guitarra e as baterias certeiras são a melhor maneira das criaturas do sexo masculino exporem seus sentimentos sem sofrerem um olhar torto das pessoas à sua volta. Porque transformar "eu quero ser seu namorado" em uma canção soa melhor, soa menos desesperado do que o escrito com letras garranchais em um papel.

Tom Hansen faria boas canções de power pop, mas caiu no mundo dos cartões

A música pop foi feita para abrigar sentimentos. E para os homens que preferem escondê-los, esta condição de subgênero que o estilo carrega, podendo se camuflar perfeitamente em um shoegaze, um rock clássico ou um indie-para-pistinhas, é perfeita. Os sentimentos são segundo plano ao mesmo tempo em que pleiteiam o papel principal. "Solos de guitarra" não conquistam, mas acordes doces, cantados a mil vozes, como se tudo estivesse amplificado para o resto do mundo, sim.

O Paolo Minéa, do ótimo (e desatualizado, pena) Power Pop Station, deu uma excelente definição em um texto de 2007, intitulado A História do Power Pop:

A frase “É impossível comer um só”, do salgadinho famoso, é power pop. Aquele chiclete gordinho, macio por fora e cremoso por dentro, é power pop. A melodia mais fácil de se lembrar é power pop. Assobiar uma canção sem perceber é power pop.

Nós sabemos quem são os pais do power pop, portanto. O 42 da música. Aqueles quatro garotos de Liverpool e seus cabelinhos moptop são creditados como os donos da primeira canção de power pop do mundo: It Won't Be Long, de With The Beatles (1963). De lá para cá, muita gente acatou a onda da maneira que lhe fosse melhor. Foi o Pete Townsend do The Who (que teve sua fase beatles-inspired) que cravou o termo pela primeira vez. Só que já perdemos o controle dos seus filhos.

O power pop não tem um limite. Aquela tribo dos calças-coloridas se rotulam como power pops e, se for olhar por um ângulo obtuso, eles não estão errados (há controvérsias). É toda aquela história do chiclete. É toda aquela história de talvez ignorar o "power", superlativo desnecessário, e classificar a música somente como "pop". Afinal, Thirteen, do Big Star, um dos grandes expoentes em sua maneira mais crua, é uma grande música pop. Daquelas que matam. Daquelas que fizeram o Tom Hansen crescer acreditando que nunca seria feliz até encontrar alguém especial.

Mas não estamos aqui para falar sobre as contradições e, sim, sobre meninos que escrevem diários em forma de música. Em ordem alguma e sem critério: somente alguns exemplos práticos.

Começando com os papais e um power pop de Revolver, o segundo melhor álbum do fab four (o primeiro é Rubber Soul, claramente). Uma súplica pelo amor não-correspondido. Do tipo: se liga garota, você tem tudo, mas você não me tem. O relator se autojulga necessário para seu objeto de afeição e tem a certeza absoluta sobre isso, mesmo que a menina esteja, na verdade, pooping and walking - o mesmo sentimento que o John, autor da música, carregou posteriormente sobre ela.



Vão dizer que Bandwagonesque é mais legal, só que prefiro Songs From Northern Britain (da mesma maneira que prefiro Rubber Soul a Revolver). Deste álbum, impossível não destacar Your Love Is The Place Where I Come From (Nick Hornby compartilha do mesmo gosto). Com todos os bons elementos do power pop, canta-se uma crença exposta no título: o pobre cara acredita que surgiu do amor da sua amada. Ao chegar a uma conclusão desta, uma menininha rabiscaria seus cadernos e carteiras de escola.


É bom falar de Thirteen de novo. Mas dentre os inúmeros tratos que esta música já recebeu, vale falar de um mais atual, feito pelo Albert Hammond Jr., que trouxe toda aquela história das agoniazinhas e borboletinhas dos amores adolescentes ("Por que você não me deixa te levar pra casa depois da escola?"). do seu próprio jeito e ainda lhe trouxe uma bateriazinha esperta.

Aliás, não consigo falar de Thirteen sem citar a briga feia de Eric com Donna no meu seriado favorito, That 70's Show (outro gosto no nível Rubber Soul e Songs From Northern Britain). Um momento que crava toda essa história de homem sofrer por amor nesta devida classe.



A banda de mentira do Tom Hanks é a responsável por um dos melhores power pops da minha geração - a que esquentou muito o sofá com a bunda enquanto assistia Sessão da Tarde acompanhada de Biscoito Fofy. O recado é simples: eu tento, tento e tento te esquecer, garota, mas é difícil porque você faz AQUELA coisa toda hora. Que coisa? Sabe-se lá. Os apaixonados são aficcionados por cada coisa...



Nas aulas de violão, aos doze anos, sempre via algo em comum entre a canção acima e Anna Júlia, aquela música do Los Hermanos que batizou milhões de crianças e da qual todo mundo sabe a letra em uma festa de família. É um power pop (como logo cita o comecinho do texto do Paolo). E, como não poderia deixar de ser, sobre mais uma decepção amorosa. "Dá um tempo, cara. Vai lavar uma louça!", deve ter dito a tal Anna Júlia.

E o cara se derrete todo com a rejeição vinda da mulher.




Da galera prolífica do power pop vem o The Cars, que flertou com o ~subgênero~ como poucos e nos trouxe uma das melhores músicas do mundo (desculpa). O cara não se importa mais com as pequenas coisas. Ele só acha que a garota é tudo o que ele precisava. E isso basta, não é?

* no meu vício em comédias românticas, vi esta música muito bem encaixada em "Qual o Seu Número?". Mas deve ser um dos únicos momentos bons do filme.


 



0 comentários:

Postar um comentário