O rock (não) acabou


Uma reflexão sobre sonhos

por Izadora Pimenta


Moptop

Amor não morre. Fica enraizado nas entrelinhas, seja desses tempos ou de outros, nas viagens de tempo mentais mais eficientes que Deloreans voadores e nos discursos que serão proferidos por aquele que um dia amou algo, emprestando-lhes a tonalidade que resta do sentido daquele amor. Mas dizem que o rock morre. Não que um dia as guitarras irão parar totalmente de soar e dar lugares a sintetizadores, como defendem críticos apocalípticos que, desesperadamente, tentam ver seu renascimento em alguma bandinha de algum lugar, ano a ano. Eles não estão errados, no entanto, ao creditar alguma salvação do rock a eles. Porque o rock talvez seja algo que existe, primeiramente, no coração de cada um de nós.

Essa reflexão toda me veio quando me aventurei a clicar em um link que foi compartilhado por um dos círculos sociais wébicos hoje. Se tratava do site de Gabriel Marques, que trabalha com desenvolvimento web. Hoje, Gabriel é programador. No passado, Gabriel se divertiu muito. Porque cantava incessantemente nos nossos ouvidos, em várias das vezes que sintonizávamos a televisão na MTV, que o rock havia acabado, justamente. E de tanto profetizar, o rock acabou para Gabriel.

O sentimento que a fala do Gabriel nos passa é normal - e não só para o rock propriamente dito, mas para quem, um dia, já cogitou viver de um sonho. Uma das bandas nacionais do cenário alternativo mais antigas que ainda está em atividade, a Ludov, faz poucos shows - boa parte de seus integrantes possuem outros empregos. Em entrevista recente ao Rock 'n' Beats, o Wado, que lançou recentemente o Vazio Tropical com participações de Camelo, Cícero e Momo, falou sobre a oscilação entre optar pela carreira artística ou então pela carreira de sua formação, que é o jornalismo (ah, outra profissão de sonhadores...). O próprio já cogitou procurar pelos concursos públicos, mas foi aconselhado a "não chorar suas pitangas", como diz na entrevista.

Por que o sonho escapa dos corações de alguns e passa a se tornar um peso moral, um suspiro guardado? Seria a idade, como o Marcelo do Pullovers, que crê que o rock acaba com as obrigações de sua vida? É o terno e a gravata apertada, que obrigam a trocar os riffs pelas grandes ideias que, como sempre ouvimos, "dão dinheiro"? Trair o rock é uma tentação magnética. E, por vezes, necessária e urgente. Mas para quê? "Ser e esquecer", como dita a música do Moptop?



É a vida para viver que mata parte de nossas paixões. É esquecer os ideais que você tinha anteriormente para se adaptar a um mundo que parece te engolir, após a frustração que ditava a incerteza delas. É optar por um apartamento, por um dinheiro certeiro para comer quantas comidas japonesas seu estômago aguentar, com o preço de soterrar aquilo que um dia lhe deu prazer. O rock, a escrita, os desenhos que só você compreendia. Cujas lembranças até vêm à tona, mas são logo substituídas pelo seu desejo de necessidade. Não há mais "idade para se esconder". E todos aqueles planos anteriormente feitos já foram perdidos de vista.

A necessidade que materializamos é um desejo. A única necessidade vital do ser humano é alimentar-se. Mas nós sabemos que as coisas não funcionam desta maneira. Nossos instintos há muito já evoluiram para instintos construídos que nos mantêm vivos e buscam trazer algum sentido para nós. Instintos que, ao mesmo tempo, pensam que nos matam e matam as coisas que nós gostamos. Isso é certo? Isso é errado? Não saberia responder ao certo e ninguém sabe.

Você foi admirado, mas não foi vendido. Hoje em dia, a admiração se foi e te consideram um vendido. Mas você é o topo da cadeia alimentar das necessidades construídas. Você não anda mais de ônibus e tem a última versão do iPhone em suas mãos. Isso lhe custou caro. Isso ainda lhe custará caro. E alguém, em algum lugar do mundo, já está tratando de ser aquilo que você foi para um dia se transformar em você. O rock vive em alguém e está em seus alicerces. 

E ainda existem os sonhadores. Loucos, mas admiráveis. Dizem não ganhar muito dinheiro com o que fazem, mas são apaixonados por aquilo. Vez ou outra um dá sorte e consegue fazer disso sua vida, pagar suas contas, superar seus problemas. 

Mas todos nós queremos "ser algo". E o significado de "ser algo" é mais plural do que imaginamos.

Mesmo que os sonhos sejam deixados de lado, somos feitos deles. E isso, por mais que esteja escondido nas olheiras ostentadas, nunca irá sair de nós. O rock, seja lá de que forma, corre em nossas veias. E acabar, mesmo, ele não acaba não.

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