Rio de Janeiro, melhor invenção depois do amor


Uma visão paulista e meio torta sobre essa gente de lá

por Izadora Pimenta


Copacabana é legal até nublada (a foto é da minha amiga Mariana Rosa)


Acho que (mesmo sendo paulista e gostando de ser paulista) o Rio de Janeiro é a melhor invenção dos poetas depois do amor. E como a gente acredita na segunda de tal forma que sua suposta concretização nos enche o ego, a primeira nos enche os olhos. É verdade. Você só precisa sobrevoar o Pão de Açúcar. Ver o Corcovado (que lindo!). Colocar um pouco de Copacabana na sua vida. Os nomes soam tão poéticos, tão intangíveis, que a concretização de estar ali, naquele espaço do qual você sempre ouviu falar com tanta graça, te enche dela. Com o tempo, você também vai criando suas próprias graças e vendo como aquilo é um paraíso para quem adora rebuscar as palavras. Eu adoro essa invenção chamada Rio de Janeiro.

E esse negócio de criar nossas próprias graças é extremamente prolífico. Só que São Paulo, de uns tempos para cá, em uma visão bastante particular do que vim observando nesses anos todos, vinha se tornando o refúgio mais agradável para quem queria produzir música independente no país. Afinal, - supunha-se - o público paulista gostava mais de ir a esse tipo de show, conhecer novos artistas. Todo mundo era louco para mudar para São Paulo e "mudar de vida". Talvez fosse o ar de metrópole que aspirasse bons negócios, ao contrário de brisa. Tanto é que o melhor álbum nacional de 2009 (ao meu ver, sempre ele) acabou por ser um ode à cidade de concreto: Tudo Que Eu Sempre Sonhei, do Pullovers, é o coração paulistano em forma de música. Por um tempo, até que essa situação foi aceitável. 

Viu-se que o Rio de Janeiro estava carente de shows e foi de lá que surgiu o Queremos, a primeira plataforma de financiamento coletivo de shows no Brasil que deu certo. Nossos olhos grudaram novamente naquela cidade, não sei se por sorte desse movimento ou pelo destino que foi bastante certeiro. Talvez seja o destino certeiro mesmo: afinal, a internet e a pluralidade cada vez maior dos divulgadores culturais atualmente nos presenteia com músicas incríveis vindas de todos os cantos do país. E nós descobrimos que eles nunca saíram de lá. E que estavam fazendo suas músicas, estavam se aproveitando do ambiente prolífico, mas ficavam limitados àqueles que achavam tudo aquilo maneiro.




Foi o caso de quando eu descobri o Cícero e seu Canções de Apartamento e vários amigos cariocas citaram a existência da banda antiga do cara, a Alice. Eu pensava se tratar de um cara que tinha acabado de segurar um violão e compor suas músicas, apesar de ter gostado bastante daquilo que escutava. Era o Rio de Janeiro, era o Los Hermanos, tudo o que vivenciamos do Rio por uns tempos e também era o Sonic Youth - uma beleza. E no mesmo ano também ouvi o Driving Music, projeto do Fábio Andrade que é em inglês, muitas vezes soa como Wilco, mas que bebe na poética carioca nas rebarbas, como não é difícil sacar em faixas como Orange Traffic Cones.

Essa gente nova acredita na invenção dos poetas, mas acredita também que ela não é o único ponto suficiente de inspiração. Assim como o amor idealizado, na real, comporta muitas outras coisas, o Rio de Janeiro não se limita ao seu espaço físico: ele, mais do que nunca, é também quem o constroi em suas canções, poesias, textos, enfim... A poesia do Rio de Janeiro se torna menos feita de estética e feita de gente, mesmo que essa gente esteja preocupada em seguir uma estética (a exemplo da turma do synth, da qual gosto bastante da Mahmundi).

Meu exemplo mais recente dessa divagação é um cara chamado Rubel. O Rubel é do Rio, mas morou em uma casa com 100 pessoas em Austin, no Texas, aquela cidade para a qual todo nós devemos ir um dia (quem sabe). E eu não conheço o Rubel, nunca troquei uma palavra com ele, mas logo senti que sua música era feita de gente. E de "violão carioca", como ele define. E como o sentimento bom de Canções de Apartamento e do Comic Sans (Driving Music), é bom sentir a cidade inventada rebuscada de histórias. Ou vice-versa.


O Rio de Janeiro se define pelas suas paisagens, mas, cada vez mais, também pelos seus romances e inquietações. Pelos discos que foram comprados, pelas chegadas e partidas, pelos cliques e conexões. O Rio de Janeiro é poético, mas ele não passa de uma parte de gente - gente tão encantadora quanto Copacabana.

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