The Vaccines: cheirinho de espírito adolescente


Alheio à Virada Cultural, show dos britânicos em São Paulo trouxe boas surpresas

por Izadora Pimenta


Justin Young em um clique característico que tanto amamos do Fernando Galassi (Monkeybuzz)

Ir a um show totalmente alheio à Virada Cultural quando a cidade inteira está tomada pelo evento é bastante curioso. Afinal, descer da estação de metrô República e estacionar no show do cantor Leandro Lehart era destino certo para a maioria das pessoas que viravam as catracas, mas os poucos, como nós, que havíamos optado pelo show do The Vaccines, estávamos inseridos em uma prova de 100 metros com barreiras, na qual era preciso desviar das ofertas de vinho barato, de entorpecentes, do fluxo que caminhava para a direção oposta, de muita gente alucinada e de carrinhos de bebê - a Virada é um evento no qual você pode encontrar os mais diversos tipos de pessoa em um só lugar, meio que como um típico passeio pelas ruas, mas com o diferencial de que todos estariam envolvidos por algo em comum, seja lá qual fosse o aproveitamento que cada um iria fazer daquele momento no qual Lehart introduzia a canção Primeiro Beijo (não vou desistir/nem desanimar/sei que a vida passa/se a gente parar de lutar), composição sua que foi sucesso com o Grupo Malícia, que a misturada memória dos anos 90 relacionou de bate pronto, com desconfiança, ao Karametade, e levou tal informação consigo ao Grand Metropole até processá-la melhor.

Não sei se foi uma questão de santo forte, mas, segundo os portais de notícia, passamos (eu, Karina Pilotto, repórter de cultura de O Liberal, Fernando Galassi, repórter e fotógrafo do Monkeybuzz e Luiza Aloi, parceira de Rock 'n' Beats) por ali pouco antes de um arrastão formado por um corredor humano que simulava uma briga, mas na verdade englobava pessoas para praticar o assalto. Isso ocorreu por volta das 23h e a polícia assistiu sem tomar atitude alguma. Acho que devia ser 22h15 quando saímos da estação.

Com a ajuda de um atendente de farmácia, logo encontramos a Galeria Metrópole, na qual está situada a casa de shows, mais um cinema reformado na cidade de São Paulo, como já denuncia a entrada. Para os pagantes, a fila foi dividida em homens e mulheres, o que causou uma certa confusão poucos minutos antes do show, fazendo com que alguns perdessem boa parte da apresentação, como me informou a Laura. A entrada de imprensa era pela lateral: fotógrafos eram identificados com pulseirinhas e repórteres eram apenas enviados à porta, o que também causou uma pequena confusão com a segurança, mas rapidamente resolvida. 

Outra do Galassi


Logo no salão de entrada, onde estavam localizadas as lojinhas de merchandising oficial (dois modelos de camiseta), o Grand Metropole impressiona bastante. Nas laterais do salão, duas escadas dão acesso a um piso superior - lá está localizado um lounge com bar (a única cerveja disponível era Skol, para a decepção de quem conseguia comprar fichinhas para Budweiser no caixa) e uma banquinha com snacks, na qual uma simples barra de Talento ou Suflair (com quatro quadradinhos enfileirados) saía por R$9 para o bolso do público.

Uma outra escada, introduzida por típicas portas de cinema, leva ao salão que pouco perdeu de sua característica original - com a diferença de que a tela exibe um espetáculo real, em todas as dimensões, completamente palpável, como temiam aqueles que assistiam ao primeiro filme da história, L'Arrivée d'un Train à La Ciotat, dos irmãos Lumière. A pista, resquício da distância entre as cadeiras e a projeção, é pequena, mas traz uma boa revelação: em qualquer lugar é possível ter uma boa visão do espetáculo. Para aqueles mais desconfiados deste poder, as ex-poltronas fazem as vezes de camarotes, posicionados em escadas. Dos dois lados da pista também temos bares com bebidas de rápido atendimento.

A apresentação da banda começa por volta das 23h e os integrantes entram no palco ao som de I Want You Back, do Jackson 5 - ainda não se sabe se por escolha do DJ ou dos próprios britânicos (o U2, por exemplo, adorava um Space Oddity do David Bowie na turnê 360 ). Sem mais delongas, Justin Young, sedutor até a última ponta (sendo representante heterossexual do lado feminino, não dá para economizar palavras para descrever seu charme, mas isso é assunto para outra hora), e sua boa turma formada por Árni Hjörvar, Freddie Cowan e Pete Robertson, começam os primeiros acordes de No Hope, um dos singles de Come Of Age, o segundo álbum de um pessoal que ontem mesmo explodiu com a irresistível Post Break-Up Sex em um trabalho na qual era lançada a pergunta: o que você esperava do Vaccines? Como eles me deixaram na mão no Planeta Terra e não pude ir à apresentação no Cine Joia (a terrível mania paulistana de fazer shows que acabam tarde em plena quarta-feira), aquela era a hora definitiva para responder de vez à pergunta que pululava a cada música escutada nos fones de ouvido.

Defendo a tese de que a música, tal como as relações tradicionais, passa por três processos: o instrumental é a atração física, o sexo, aquilo que te faz sentir prazer por algo. As letras já ditam sobre o envolvimento, a identificação, é "quando você começa a conhecer a pessoa", já dita a Sophie Fisher, personagem da Drew Barrymore em Letra e Música. Mas a apresentação ao vivo é o casamento. É uma convivência na qual você analisa a capacidade da pessoa que você ama de lavar bem os pratos, enxugar bem as guitarras, abaixar a tampa da privada e atender às suas expectativas de uma vida feliz. E posso dizer, sem dúvidas, que meu casamento com o Vaccines foi bastante feliz.

Essa é da câmera do meu celular. Considerando as limitações, até que eu curti.


No mais: a banda exala a quatro cantos aquele cheirinho de espírito adolescente, que por muito tempo pensei ser um fedor de cecê ao escutar sobre ele na música do Nirvana. Presença de palco incrível, sem firulas, sem frescuras, som direto e reto - exceto por alguns momentos nos quais o público era convidado a fazer as vezes de vocal, mas era algo necessário para a resposta incessante que a banda recebia deste. Isso, somado à acústica impecável oferecida pelo Grand Metropole, em um dia depois de uma grande decepção em relação ao assunto presenciada em um show da Marisa Monte em Campinas, no Teatro Coliseu (outro assunto para outro texto), tornou a experiência tão sedutora quanto Young.

Eu juro que esperava menos do Vaccines, apesar de sempre ter curtido cada linha do que eles lançaram desde a primeira vez que resolvi ouvi-los (em 2011). Mas nunca vi um furor adolescente tão justificado. Afinal, faz sentido cantar a plenos pulmões as músicas de uns caras que... tocam pra caramba. Cada acorde de guitarra é uma injeção de ânimo, um bom relaxante para os ouvidos. A bateria, que vez ou outra vinha arriscada em um solo improvisado, é inebriante. É perceptível que, uma vez que eu já havia assistido a algumas apresentações via streaming, a banda trabalhou bastante para chegar naquele estado revigorante que pudemos presenciar no sábado. Talvez seja até bom não ter tido a oportunidade anteriormente, pois pude me deparar com um trabalho maduro, mas que ainda sai para as festas de final de semana com os amigos.

Ao final do show, alguns ainda resistiram na pista de dança e uma outra revelação foi apontada: não é que Lose Yourself To Dance, do novo álbum do Daft Punk (cuja opinião que tenho sobre foi bem expressada pela Ana Clara), se mostrou uma boa pedida? Infelizmente, uma passagem pelo show de Rappin' Hood e alguns metrôs depois, tive a chance de também entender que uma música não funciona na balada: Ana's Song, do Silverchair, que embalava a parte anos 90 da festa História do Rock, no Beco 203. Afinal, nem todo ícone adolescente resiste ao teste do tempo. 

Não sei o que irá acontecer com o Vaccines, mas sentar em uma cadeira e esperar pelo que eles irão fazer é burrice: o lance é se juntar ao coro e vivenciar os bons momentos sem pensar no que fica e o que não fica. Basear a vida nos discursos por aí cansa, por vezes. 

As emoções valem mais do que caracteres.

Para saber um pouco mais de como foi o show, também escrevi sobre ele para o Rock 'n' Beats.

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