Estourando as espinhas

Na encruzilhada da adolescência, o Vaccines passeia entre a descoberta pessoal e a cruel cobrança do hype 

por Victor Bianchin



Batizar o segundo disco de Come of Age pode ser uma ironia não muito fina do The Vaccines. Como se eles dissessem à crítica: “aqui está nosso segundo álbum, nosso momento de afirmação, nosso amadurecimento musical” com um meio-sorriso no rosto e olhares de esguelha uns para os outros, secretamente dando risada desse papo todo. Ou talvez não haja sutileza nenhuma no título e o Vaccines esteja sendo duramente honesto consigo mesmo, assumindo o compromisso de amadurecer perante o público e os fãs.

(Aqui, vale um interlúdio: será que esse compromisso é real? Existe sempre alguém a cobrar que as bandas “amadureçam”, “evoluam seu som”, “busquem novas influências”, como se a metamorfose fosse um passo fundamental do jogo musical? Mas será que os álbuns de estreia pelos quais nos apaixonamos no meio do mar de bandas da internet já não seriam obras fortes e sólidas para formar uma identidade para a banda? Por que pedimos aos artistas para se distanciarem do que os tornou especiais em primeiro lugar? Para assistirmos mudos aos shows de Pet Shop Boys e Smashing Pumpkins esperando a hora de tocarem It’s a Sin e Today? Por que é vergonhoso ser bom em apenas uma coisa se você for muito bom nela? O AC/DC continua lotando estádios, não?)

A decisão de levar tudo isso em conta ao escutar Come of Age é do ouvinte, e dele apenas. O conflito do Vaccines é muito mais pessoal do que com o que as pessoas exigem deles. O vocalista e letrista Justin Young já deixa isso claro na faixa de abertura, No Hope: “I don't really care about / Anybody else when I haven't got my own life figured out / Cause when you're young and bored at 24 / And you don't know who you are no more / There's no hope / And it's hard to come of age”.


Quando apresentada por aqui em abril, No Hope era um pouco mais pesada e rápida, quase lembrando Ramones. Amaciada para o álbum, ela põe em primeiro plano a letra, cantada por um Justin aberto e sincero. A cara de cachorro sem dono no videoclipe completa o quadro.

O tema continua em Teenage Icon, com Justin assumindo: “I'm not magnetic or mythical, I'm suburban and typical”. É quase como ele se desculpasse por ser famoso e não ser especial como ele e nós imaginamos nossos ídolos. Enquanto as guitarras avançam em um dos momentos mais roqueiros e pegajosos do disco, Justin está lá, questionando sua posição no mundo.

Pode parecer filosofia de butique, mas não. É só conflito adolescente. Essa tormenta pós-puberdade, de não saber o que se quer, de ser saudoso de um tempo que não chegou, e ao mesmo tempo não se conformar com as expectativas colocadas sobre si, fez a fama de um punhado de bandas no começo dos anos 90, quando a Guerra do Golfo substituiu o glitter dos anos 80 na TV e a ascensão econômica dos EUA garantiu que os jovens não precisavam se preocupar tanto com isso. De fato, o novo disco do Vaccines cheira como espírito adolescente. Se eles envelheceram, como o título sugere, foi até essa fase.



Musicalmente, o conflito pessoal gera avanços. Teenage Icon e Ghost Town lembram, respectivamente, Skidmarks On My Heart e Tonite, das Go-Go’s, o que é uma influência muito adequada se você considerar que Come of Age tem uma música chamada I Wish I Was A Girl. Aftershave Ocean é um aceno com as duas mãos ao college rock e aos momentos mais ternos dos Pixies. Weirdo tem sido comparada ao Nirvana e, talvez acelerada e com alguns vocais mais agressivos, coubesse bem em In Utero. O ponto é que o Vaccines se dá bem nas três situações.

Bad Mood e I Wish I Was a Girl são as guitarradas que se esperaria de um disco do Vaccines - essa última destilando um solo keithrichardsiano por entre frases como “life is easy when you're easy on the eye”.  I Always Knew e All In Vein são adições interessantes ao repertório da banda, e Change of Heart Pt. 2 é a única dispensável do disco.

Saldo final: um punhado de boas músicas de um bom grupo indie. No geral, o álbum trafega por terreno seguro, mas o segredo para entender o disco é fingir que o seguro não existe. O Vaccines está na encruzilhada da adolescência: se ficarem iguais, o bicho come, se correrem para mudar, o bicho pega. Cabe a eles estourar suas espinhas e tocar suas guitarras. E, a nós, cabe deixar que eles se masturbem no quarto em paz e descubram o que querem no tempo certo.

Assista "I Always Knew", novo clipe do Vaccines:



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