Sábado


A denúncia já está na capa: aquele fim de tarde morno. Aquele fim de tarde de sábado, repouso de uma sexta-feira agitada, espera do que irá acontecer logo mais. Em entrevista ao "O Globo", o próprio Cícero definiu: "entre 17h30 e 18h, que não é nem barro nem tijolo, nem alegre nem triste, nem começo nem fim de nada". E não poderia ter forma melhor de definir Sábado, seu novo álbum, que será disponibilizado para download neste 31 de agosto através de seu site oficial. É o descanso e a espera para definir os rumos de logo mais.

Retrato perfeito para definir quem é, hoje, aquele Cícero do apartamento que conhecemos há dois anos, cujo nome causa um certo frisson até doentio entre seus fãs. O cara por detrás de Prêmios Multishow na bagagem e dono de um disco referencial. Sem saber lidar com os sentimentos que lhe rondaram, ele veio intencionado a vir menos com a sua marca e mais com a marca do mundo - mas acabou caindo em sua própria ótica mais uma vez. Encontramos em Sábado o Cícero que não quer mais chegar de peito aberto como em Canções de Apartamento (2011). Um Cícero minimalista, que canta pra dentro e faz as coisas para si próprio, sem a necessidade de aprovação.

Este sentimento pode causar, de cara, uma impressão esquisita nos amantes de Canções, álbum calcado no violão popular, nas guitarras, nas referências e nas letras de peito aberto. Sábado continua sendo um jogo de referências a serem pinçadas, mas elas não aparecem de forma tão escancarada. Continua sendo um álbum identificável pela tristeza, por aquela ideia de recolhimento (principalmente pela ausência de refrões), mas chega a ser uma tristeza menos esperançosa do que outrora. É confuso e difícil de digerir, como uma criança-problema. Mas isso não quer dizer que ele também não seja capaz de causar catarses e sorrisos - qualquer coisa está suscetível a isso, afinal.

Nesta esfera, vemos a dificuldade de fazer as melhores escolhas. As observações de Capim-Limão, Ela e a Lata e Asa Delta, por exemplo, não fazem seus melhores casamentos com as melodias, que são impecáveis do começo ao fim. É até inútil apontar "aquela faixa que o público vai amar e chorar quando cantar junto", porque Sábado claramente não foi feito com essa intenção, mas o estranhamento se mostra cativante logo na primeira faixa, Fuga nº 3 da Rua Nestor, na qual a letra dá o tom da melodia insistente, sem voltas. Por Botafogo e Duas Quadras são pratos feitos para os saudosistas, mas não cheios, assim como Porta, Retrato (onde encontrei a primeira das muitas referências, um jeito menos acelerado de se ouvir Jigsaw Falling Into Place, do Radiohead), dessas canções de quase amor.

É fácil e, ao mesmo tempo, complicado de compreender as intenções do carioca com o trabalho. Sábado parece uma pausa, uma forma de experimentar novos caminhos que acabou sendo divulgada para o público. A exposição assusta, ver-se de repente como um ídolo assusta, e a alternativa mais coerente para ele, no momento, parece ser ficar dentro da toca, longe de sua proximidade característica com tudo e todos. Até seus amigos, como Marcelo Camelo, Marcela Vale (Mahmundi), Luiza Mayall, Lúcio Souza (SILVA) e o inseparável Bruno Schulz aparecem de forma tímida no trabalho, quase que imperceptíveis, permeando a redoma criada em torno de sua introspecção.

Nos 29 minutos de Sábado, nós vivemos aquele fim de tarde modorrento junto a Cícero. Curtimos alguns tédios e fossas. Mas terminamos ansiosos para que a noite chegue logo e nos dê uma injeção de ânimo.


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