O futuro era isso memo?



Sobre um sample, o mundo e o amor

Don L


Não deu para passar batido por Brothers, o lançamento de 2010 do The Black Keys. Mesmo quem nunca tinha ouvido falar da banda foi alvejado pelas notas de Tighten Up, o primeiro e meteórico single do álbum que rendeu à dupla um Grammy de Melhor Performance Rock de um Duo ou Grupo Vocal. E com o Black Keys em alta, era perfeitamente natural que a banda estivesse por aí, passeando por caixas e caixas de som através do globo. El Camino, o álbum de 2011, foi a cereja do bolo para Dan Auerbach e Patrick Carney. Com todo esse barulho, o destino se encarregou de, um dia, levá-la aos ouvidos do rapper cearense Don L.

A situação: a festa da casa de um amigo. A ideia: todo aquele negócio dos rappers americanos, o "pimp", traduzido para o português por ele como "cafetinar", uma forma mais literal de tratar algo como sua puta mesmo - no caso dele, o mundo. A música: Everlasting Light, de Brothers, o 11º Melhor Single de 2010 segundo a Rolling Stone. O resultado: Cafetina Seu Mundo, faixa lançada em maio pela VICE e rapidamente retirada do ar pela Warner, detentora dos direitos autorais do duo americano.

Mas não é um sample? Samples não são bons? Em seu sentido literal, o sample é algo que está na própria capa de Brothers, por exemplo. A fonte usada, Cooper Black, é uma estratégia bastante espertinha para nos remeter imediatamente à icônica capa de Pet Sounds, o mito do The Beach Boys, que já foi aproveitada também pelo Supergrass, em In It For The Money e pelo The Fratellis, na sua identidade visual como um todo. 

O que importa, no entanto, é que a música do rapper está por aí mesmo assim, como aqueles álbuns dos Beatles que insistem em não estar presentes nos serviços de streaming, mas que a gente sempre dá um jeito de achar. E era natural também que ela seguisse o caminho de Brothers. Os graus de separação fizeram com que Cafetina Seu Mundo chegasse até mim de uma forma parecida com a que Everlasting Light chegou a Don L.

Foram mais de umas vinte audições desde então, para quem raramente se coloca a escutar o estilo e não conhece nada do cara (e nem foi muito atrás, para não perder a graça). Mas, assim como algumas letras dessa nova geração de rappers já me conquistaram antes, achei interessante o modo com o qual Cafetina Seu Mundo trabalha alguns problemas recorrentes na sociedade atual, que já foram tratados com várias outras abordagens e roupagens por outras músicas: perceber que o mundo é grande, não saber dominá-lo da forma correta e procurar por essa perfeição (ou não, já diria nossa querida Tudo Que Eu Sempre Sonhei, que se conforma em apenas esperar que as coisas aconteçam). Quem nunca parou para se olhar no espelho e pensou em algo semelhante com "o futuro era isso memo?".

Outro problema descrito na letra da música é a tal desilusão amorosa. É aquela coisa toda: "quando me faltou, você que partiu". Então ele precisa disso, precisa extravasar, precisa dar um sentido à sua vida, seja qual for. Porque, por mais que essa não tenha sido a intenção (o negócio todo com o Black Keys foi a batida da introdução mesmo, repetida ao longo de toda a faixa), a mensagem está lá, escondida: ~ele só queria ser a luz eterna de alguém~. Afinal, o que os carrões tunados substituem mesmo em toda a nossa história musical (desde Roberto Carlos até os mais recentes 50 Cent e Munhoz e Mariano, que fique claro)?

O negócio todo é uma pérola. E o mundo é uma puta mesmo.

Ouça "Cafetina Seu Mundo" aqui:




E pra você que perdeu seu tempo nunca ouvindo "Everlasting Light":







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