Fresno e a máquina do tempo


Eu e Izadora Pimenta voltamos ao tempo para perceber que a Fresno é um fenômeno raro. Entenda o porquê.




O ano era 2005. A cidade era Americana, interior de São Paulo, e eu tinha 14 anos. Naquela época, os jovens ainda utilizavam redes sociais como o Mirc, ICQ, MSN e Orkut (que ganhava forças no país) para se comunicar. Celular mal tirava foto e era item de luxo. E em meio a isso, a banda Fresno, de Porto Alegre, ganhava força no cenário de rock nacional, muito por conta da evolução da internet. E também nessa época, a palavra da vez era “emocore”. Tudo era “emo”, a música, as pessoas, os lugares. A Fresno veio tocar na minha cidade, no auge de seu sucesso, que ganhava fôlego a nível nacional, mesmo sendo independente. Mas eu não fui assisti-los. O motivo: era menor de idade, dependia tanto da autorização quanto do transporte dos meus pais, e minha mãe não me deixou ir.

Agora estamos em 2015. Na última sexta-feira, 1º de maio, me vesti a caráter: all star, camiseta de banda (Hurry Up, “Família 019”), moleton do batman, zero maquiagem, e fui buscar a nossa querida editora Izadora Pimenta na rodoviária de Americana, com meu próprio carro. A trilha sonora da noite foi o disco “Sing Sing Death House”, do The Distillers, de 2002, o qual resgatei há uma semana por motivos que não vem ao caso. Estávamos a caminho do show da Fresno em Americana, que percorreu o país com turnê acústica “Começo de Tudo”. O repertório, como o nome do show já indica, foi baseado só nos primeiros sucessos da banda. E, no carro, eu a Izadora chegamos a uma só conclusão, que, tirando o fato de agora eu ter uma CNH e autorização para fazer o que eu bem entender do meu fim de semana, havíamos voltado aos 15 anos. (Até pediram nossas identidades!)

A Fresno é uma banda que provoca ódio e amor no público. Há quem diga que o som é “emo”, de modo pejorativo, que não passem de um bando de “moleques” de calça apertada e cabelo a lá Chitãozinho & Xororó. Mas há também quem entenda que o som “emo” é um reflexo daquele turbilhão de sentimentos causados pelos hormônios à mil da juventude, que falam de momentos comuns que já vivemos ou vamos viver, e que o modo de se vestir, cortar ou pintar o cabelo de um grupo não vai mudar a vida de ninguém. Os caras têm um puta mérito nas costas: o de estar há 15 anos na estrada e ainda ter público fiel.

Este ano, a banda gaúcha comemora 15 anos de carreira, e o CD e DVD comemorativo está no gatilho para ser lançado. A distribuição será pela Sony Music, mas a Fresno continua independente. O que isso significa? Significa que um grupo, que já tocou em todo tipo de espaço e para milhares de pessoas, dos porões às grandes casas de show, que já passou pelos principais programas da TV aberta e que conseguiu aquele sucesso desejado por “mil e uma” bandas por aí, decidiu fazer o seu próprio “corre”.

É muito fácil para uma banda ter uma gravadora, colocar-se em uma zona de conforto, afastar-se do público e deixar a burocracia do meio artístico para um empresário, “nas mãos de Deus”. Entretanto, voltar à cena independente e ainda ter público fiel, que cante todas as canções pelas 37 cidades do Brasil que percorrer (como é o caso da turnê 'Começo de Tudo'), isso, meus amigos, isso é para poucos, pouquíssimos. É um diamante do cenário nacional: dá para contar na mão quantos grupos ainda o fazem.

Quer um exemplo do quanto a Fresno é uma “raridade”? No auge do “emo” no Brasil, quando as gravadoras perceberam que teriam lucro com este cenário e resolveram assinar com “geral”, ela dividiu o palco com mais quatro bandas no projeto “MTV Ao Vivo – 5 Bandas de Rock”. A coletânea, gravada no Via Funchal, em São Paulo, trazia também ao palco Moptop, Hateen, Forfun e NX Zero. Vamos começar pelos extintos: A MTV (que agora foi reformulada, mas vocês sabem que não é mais a mesma coisa), o Via Funchal, e o Moptop não existem mais. O Forfun, Hateen e NX Zero, por mais que continuem na ativa, mas não têm mais o mesmo apelo no novo cenário (Mas nem por isso devem ser desmerecidos, já que lá no início dos anos 2000 tiveram sua devida importância). Desta seleção, a Fresno é ainda uma das poucas que seguem com agenda de shows de norte a sul, lançamentos que mostram que a banda tem se atualizado, evoluído, e não só buscado aquele hit para tocar na rádio. Fugiu do mainstream, mas não deixou a “peteca cair”. Mantém, desde o início, a mesma prioridade: tocar o público com suas músicas e manter a qualidade do seu som, seja onde for.

Antes de tocar em Americana ontem, o evento contou com duas bandas. As duas, visivelmente novatas, seguiram a mesma linha: alternavam boas quantidades de covers com uma faixa autoral. Ao fim, o show foi mais reprodução que demonstração de trabalho. “Porque é o que a galera quer ouvir”. Sem contar que o repertório era todo baseado em megahits do passado Charlie Brown Jr, CPM 22, Detonautas... Ok, todo mundo canta e dança junto, mas por que não “meter a cara” e tocar o próprio som, jovens? Essa mentalidade “porque é o que a galera quer ouvir” faz bandas e mais bandas subirem ao palco, com boa execução técnica, mas zero autenticidade. E vejo que isso ocorre tanto no rock, quanto no pop, no sertanejo, no pagode... Já pararam pra pensar que talvez o som que a galera quer ouvir é o seu? Afinal, qual era o repertório da principal banda da noite passada?

Em um palco pequeno e bem iluminado, noite fria, algumas cordas estouradas ou problemas na bateria pelo caminho, a Fresno executou com excelência o repertório dos seus três primeiros discos, de forma atualizada. São eles: “Quarto dos Livros” (2003), “O Rio, A Cidade e A Árvore” (2004) e “Ciano” (2006). Na plateia, desde “os novinhos” até os “adolejovens” como eu, que pareciam ter entrado em uma máquina do tempo. E além de cantar, o vocalista Lucas Silveira fez questão de lembrar a importância de estar ali, entre uma música e outra. Lembrou de quando a banda tocou em 2005 em Americana (e eu não fui); de quando escreveu “Stonehenge” para a menina da escola que não lhe dava bola; de quando fez “Evaporar” como um “fora classudo”; da sensação de ver alguém desconhecido cantando sua música pela primeira vez... Lembrou, e fez o público lembrar também do quanto era bom aquele tempo, e o quanto hoje também é.





Um comentário:

  1. Uma coisa que você cita no texto e me deixa bem chateado não só com as bandas, como com quem trabalha com música em geral: esse negócio de "vamos nos ater aos hits porque é o que a galera quer ouvir". Todos esses hits já foram um som que ninguém conhecia um dia.

    Chegou a hora do pessoal perceber que não adianta ficar só alimentando todo mundo com mais do mesmo... assim a música nunca vai andar pra frente.

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