"Whiplash" e a música enquanto angústia



A música nos cinemas sempre atrai o público por um pressuposto entretenimento, seja nas biografias mais barra-pesadas de grandes ícones como nos musicais. Vamos assistir a esses filmes com o objetivo de sairmos com os ouvidos afiados para as canções e desejando, mesmo que secretamente, viver um pedaço do que nós vemos nas telas. Se você se sentiu atraído por Whiplash esperando o universo glamouroso e cheio de swing do jazz dominar os sons e as imagens de maneira pacífica, é melhor abandonar a ideia antes de pular no barco.

Dirigido por Damien Chazelle, o filme, que estreou neste mês nos cinemas brasileiros, venceu o Festival de Sundance e concorre, entre outras categorias, ao prêmio de Melhor Filme no Oscar, coloca a música apenas como plano de fundo e enfoca a história de Andrew Neiman (Miles Teller, Divergente), um estudante de bateria de 19 anos, fã de Buddy Rich, que deseja ser um dos melhores músicos de jazz da história. Para isso, ele busca chamar a atenção de Terence Fletcher (J.K. Simmons), o professor mais requisitado e influente do conservatório - e, quando realmente consegue entrar para o grupo comandado por ele, passa a sofrer assédio moral em virtude do principal objetivo de Fletcher: descobrir seu próprio Charlie Parker.

É angustiante acompanhar a trajetória de Neiman para atingir seu sonho. Deixar para trás todas as suas possibilidades de relações pessoais, ultrapassar os limites de seu próprio corpo e, mesmo assim, se sentir menosprezado, como se estivesse manuseando um brinquedo e não fazendo "mais do que a sua obrigação". Estes sentimentos, misturados à ambição de impressionar Fletcher, o tornam em uma pessoa intempestiva e obcecada por uma perfeição que parece nunca atingir seu auge.



Neiman se torna escravo da própria arte, a medida em que as circunstâncias parecem não caminhar lado a lado com os seus esforços. A bateria se transforma em um inimigo a ser vencido a qualquer custo, assim como Fletcher, que utiliza de métodos nada ortodoxos para também alimentar a sua obsessão. Neste ponto, os sonhos de ambos se encontram e desejam intensamente se digladiar, não encontrando um ponto neutro para perceber que são compatíveis.

Whiplash é uma batalha de egos e, mais do que uma história de persistência, é um retrato perfeito de perseguição. Da busca do autoconhecimento. O jazz se transfigura em figura igualmente detestável, porque tem que ser perfeito. Senão, vira "jazz de Starbucks", como define o personagem de Simmons ao longo da história.

Mas a grande verdade é que o objetivo está claro, ou escondido, como um pôster do quarto de Neiman que diz algo como "quem não sabe tocar, toca rock": a obsessão se mostra como um sentimento próximo do amor e do respeito pela música e todas as suas delicadezas.


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