Os equívocos de André Forastieri em "O dia em que o rock morreu"



Antes de começar a escrever este texto, apertei o play pra rolar o Californication, do Red Hot Chili Peppers. O disco é de 1999. Otherside foi o primeiro clipe que eu vi na tv, no dia em que descobri aquele canal que passava um monte de música o dia todo. Era a MTV. Eu tinha 10 anos. E o Flea tocando baixo nos fios de poste do clipe me marcou pra sempre.

Música é assim, vem sempre carregada de história e de lembranças. E o livro do André Forastieri também é assim, já que é sobre música. É a sua visão da coisa toda, dos ícones que ele viu nascer e morrer, ou encaretar, ou se perder comercialmente. Só que é a visão de um órfão do punk, recalcado demais para aceitar que o rock não morreu junto com Kurt Cobain, ou pelo menos, que Nevermind não foi "o último prego no caixão do rock", como ele mesmo escreve.

Eu sei que sua ideia é mesmo provocar, é atacar, é ter a postura rock que ele tanto sente falta. Mas sua provocação é a de alguém que parece ter se fechado demais para aceitar que o rock continua vivo. É quase birra de moleque mimado que não aceita brincar com a bola do amigo porque ela não é igual a sua.


Acompanho o trabalho do André Forastieri, talvez, desde que me interessei por crítica musical. Na verdade, faz uns cinco anos que leio seus textos, os do Marcelo Costa, os do André Barcinski, os do Lúcio Ribeiro e de um bando de jornalistas e pessoas envolvidas com música dos quais tento extrair o máximo de informação e inspiração. Alguns desses caras já resenhavam discos quando minha trilha sonora ainda era só a música que tocava no programa da Xuxa. E é incrível o leque cultural que eles abrem na sua cabeça, falando também de tv, cinema, quadrinhos, política, livros, tecnologia...

Forastieri é, de longe, de quem mais discordo. Quase sempre. E, por isso mesmo, um dos que mais gosto, afinal, ele me faz pensar. A cada bom argumento/polêmica que ele lança, eu me esforço para criar meus próprios argumentos para rebatê-lo. E, como junção de seus textos na Folha de S.Paulo, na revista Bizz e no portal R7, O Dia Em Que O Rock Morreu (Arquipélago Editorial, 2014) me fez pensar e refletir bastante. "Só" por isso, a leitura é mais que válida. E, claro, para discordar ainda mais do Forasta.

Ele já começa atacando John Lennon. "Era um babaca". "Eu não queria ver John assim, banana, dependente. Não queria ouvir a música horrível que ele fazia agora, sacarina de FM, mais melada que a pior melação de McCartney." Conversa de fã ressentido que culpava Lennon pelo fim de sua banda favorita? Parece. E não há problema nisso. O problema é perceber como para ele a morte do rock é inevitável porque ele simplesmente não dá outra alternativa a isso:

- Se a banda não recicla seu som, o rock morreu porque é só uma cópia de si mesmo e do que foi outrora.
- Se a banda inova, é provável que acabe virando mais pop comercial e só está interessada em vender. Ou seja, nada de rock de verdade.
- "Banda tem prazo de validade e uma década já é muito".
- O que rola de novo não vale grande coisa porque "Só é novo se for arriscado". E ninguém mais arrisca.
- No Brasil, o rock nunca foi lá grande coisa porque nunca teve a alma suja do rock de verdade, sempre foi meio classe média, sempre meio ideológico, e hoje a contestação fica mais no rap e no funk...

Assim fica difícil, amigo! Me ajuda a te ajudar!

O livro ataca quase todos os artistas mais revelantes do cenário rock-pop. Não escapa Jimi Hendrix: "sempre pensei que era uma ótima coisa que Hendrix tenha morrido jovem, antes de queimar a fita com o jazz-rock ou o progressivo. Um dos dois destinos me parecia inevitável, assim como constrangedoras quedas posteriores para o rock de FM...", ou o modelo de distribuição de música atual. Para o Forastieiri, o rock morreu um pouco quando a graça de contemplar capas de vinis acabou, morreu quando ficou fácil baixar uma discografia de graça na internet, morreu com o fim da importância das revistas especializadas, morreu quando Kurt deu um tiro na cabeça. É tudo amarrado para te convencer que o rock está enterrado, mas a cada capítulo, você pensa nas frestas de luz que estão entrando nesse caixão. Ele não parece tão morto assim... nunca pareceu!

"Nevermind foi o último disco que importou. Depois os álbuns não importaram mais, nem os roqueiros, nem a música. Ela deixou de ser o coração da cultura jovem. Foi substituída pela internet [...]. Hoje carregamos milhares e milhares de músicas no bolso, temos à disposição na rede todas as canções jamais gravadas e ouvimos uma duas, três vezes no máximo." - Há coisa maior para discordar? Talvez o conceito de ouvir um álbum integralmente esteja, de fato, bem menor. Mas se há algo que ainda persiste, é o ouvir suas músicas favoritas à exaustão. E não é coisa de jornalista que trabalha com isso. Pelo menos das pessoas que eu conheço, o prazer em ouvir um disco é o mesmo que o meu.

Termino o texto ouvindo o disco de estreia do duo Royal Blood. Rock dos bons, dos que injetam adrenalina na veia, que te dão vontade de correr ou chutar alguma coisa. O álbum é de 2014. É feito por gente com 20 e poucos anos. É cheio de distorção, é sujo, é rock. E dos vivos! É só sair da bolha que se fechou nos anos 90 e admitir que a vida continua. Assim como o rock.



4 comentários:

  1. Acho que André exagera. Não há como saber o que Hendrix faria. Por outro lado entenda. Rock não tem mais importância. O que importa hoje é esporte, video game, eles ocuparam o posto do rock. A música ainda existe e às vezes produz coisa boa, mas é irrelevante. Basta observar que desde a explosão do RAP, a moda visual não é mais ditada por bandas. Ao contrário, elas é que seguem a moda criada pelos rappers, pelos skatistas, surfistas e astros da NBA. Em termos comportamentais, em termos sociológicos, o rock morreu. Ele é hoje apenas música. Nada traz de novo sobre sexo, politica, ideias ou ideais. Não incomoda mais ninguém. Não dá medo ou raiva. É apenas som. E entenda, ele pode ser ótimo, mas nada mais é que isso.

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  2. "É cheio de distorção, é sujo, é uma tentativa de ser o White Strypes"

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  3. Achei legal a argumentação rebatendo o Forastieri, mas o som escolhido para exemplo é justamente o tipo de rock de estádio, nada arriscado, totalmente clichê...

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