Crítica: Tim Maia - O Filme

Babu Santana interpreta Tim Maia sem esforço


"Que ficcionista seria capaz de criar um personagem como Tim Maia? E quem acreditaria?", crava Nelson Motta na introdução de Vale Tudo, sua biografia do síndico do Brasil que inspirou Tim Maia: o filme, com estreia na última semana nos cinemas. Sintetizando amores, amigos e legado, a versão cinematográfica de Tim, no entanto, se encaixa perfeitamente à descrição do personagem ficcional. Mas não deixa de cumprir seu papel de contar um pouco de sua história, mesmo que, em determinados momentos, tenha optado por um tom mais soturno.

Após duas horas e meia de filme, o público sorri com a genialidade de Tim Maia, mas, ao mesmo tempo, compadece com sua vida pessoal consumida pelo álcool e pelas drogas, que contrastavam com sua personalidade forte e, com todas as controvérsias, perfeccionista - os técnicos de som sempre foram seus inimigos mortais. O homem difícil de lidar, nas telas, é, na verdade, uma síntese de todas as suas complicações ao longo da vida,

A primeira parte do filme se mostra mais eficiente, embora ainda resumida. O sonho na Tijuca junto aos amigos Erasmo Carlos, Roberto Carlos e Jorge Ben, a investida do grupo vocal Os Sputniks no programa de Carlos Imperial, a migração para os Estados Unidos, de onde voltou deportado e as tentativas de encontrar Roberto, já famoso, em São Paulo. Nesta parte, o lado doce e esperançoso de Tim Maia, que lhe acompanhou para o resto de sua vida, é representado estrategicamente. Depois da explosão da fama - cujas tentativas anteriores também foram omitidas -, vem o outro lado de Tim, mais explosivo, mais exigente, o que pode deixar uma impressão um tanto quanto errônea de que o músico era uma constante de pedras na mão e um "sem-amigos" total, como lhe acusa Fábio, escolhido para ser o resumo de todos os seus amigos.

Fábio e Tim, amigos inseparáveis


Uma das fases retratada com maior fidelidade talvez tenha sido a sua imersão ao Racional Superior, o que lhe rendeu aqueles que, por muitos, são considerados os melhores discos de sua carreira: Racional Vol. I e Racional Vol. 2, retirados rapidamente de circulação após o desligamento da seita e vendido a preço de ouro entre sebos e colecionadores até hoje. É divertido ver, nas telas do cinema, o quanto a seita se ocupou de sua vida e depois se tornou seu grande arrependimento. A derrocada de Tim Maia após o disco pode ter sido prolongada para retratar as suas diversas derrocadas, problemas judiciais e financeiros e a solidão - sua companheira inseparável, muitas vezes jogada por debaixo do tapete, outras, bastante amargada.

Uma coisa, ao menos, fica clara: Tim Maia era um gênio inegável que conquistava a simpatia e a admiração de pobres e ricos, adultos e crianças, famosos e anônimos. Seus atrasos e não-comparecimentos a shows (defendidos por ele com a frase "Tim Maia é o cantor que mais comparece aos próprios shows no Brasil") ajudaram a formar sua figura mística, lendária, quase ficcional, como escreveu Motta. Mas é também um erro não retratar uma de suas maiores proezas: é o primeiro artista brasileiro que fez fama de forma independente. Ele tinha sua própria gravadora (por ter problemas com todas as grandes), sua própria editora (por perceber o quanto o artista perdia na edição de suas músicas) e sua própria maneira de administrar o dinheiro e os horários (que era um tanto quanto furada, mas isso não lhe importava muito).



A cinebiografia cumpre seu papel, embora não regular, de resgatar uma história intensa e tão rica de detalhes que a longa duração, como mostra por si só, foi insuficiente para preencher a magnitude do rei do soul. O longa se mostra suficiente para manter vivo o legado e traz excelentes atuações de Robson Nunes, Babu Santana e um bom amadurecimento de Cauã Reymond - ator e narrador da trama. George Sauma faz uma atuação duvidosa de Roberto Carlos, mas a maneira parece proposital. 

O diretor Mauro Lima já justificou que o filme utilizou apenas um recorte, já que eram muitas histórias e muitas pessoas que não quiseram aparecer ou foram poupadas - nâo era de bom tom deixar claro quem estava presente nas farras de Tim, de acordo com sua visão. No entanto, ao melhor estilo do Tim Maia Racional, fica a recomendação: leia e vai saber o que é encanto.

Para ler:
Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia - Nelson Motta
“Até parece que foi sonho — Meus 30 anos de amizade e trabalho com Tim Maia” - Fábio


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