Vocês não dão mais certo

Um ensaio sobre "Canções de Apartamento", de Cícero


por Izadora Pimenta




Sobre o fim dos relacionamentos: você nunca irá esquecê-los. Superá-los pode até ser uma hipótese cogitável, mas o esquecimento é algo muito forte.  Já sabemos que não dá certo porque assistimos a filmes que tentam aplicar tal experiência e somos traídos com certa frequência por pensamentos sobre as antigas pessoas amadas. Mesmo aquelas que não amamos tanto assim. O esquecimento não dá certo porque na primeira audição daquela música “do disco do Tom Jobim” já chega a lembrança dos tempos nos quais vocês foram dois.

Canções de Apartamento é um relacionamento transferido para um álbum. De alguém que é motivado por eles (seja lá qual for a verdadeira realidade). As surpresas, as despedidas com cara de saudade, os mil planos imaginários, provenientes de devaneios esperançosos (tipo ir ao parque discutir Caetano e morrer de rir) e planejamentos mentais meticulosos (vou dizer a ela que “podemos enfeitar domingos”). E o mais importante: as referências. Um relacionamento sem referências não pode ser um relacionamento. Essas coisas importam. É mais ou menos como naquela passagem de Alta Fidelidade: “a verdade era que essas coisas importam e não adianta fingir que um relacionamento tem futuro se as suas coleções de discos discordam violentamente, ou se os seus filmes favoritos nem falariam um com o outro ao se encontrarem numa festa”. Então, como é possível não tê-las?



Também diz sobre a efemeridade das relações humanas modernas. Tão efêmero que nem percebemos a chegada, mas sentimos a saída como se fosse uma coisa nova. Um dia estamos morrendo de vontade de passar a vida inteira com a pessoa e, no outro, tentamos ser otimistas ao descobrir que a única certeza da vida inteira é a nossa própria companhia. Aquela pessoa com a qual você dividiu seus planos saltou do bonde, te largou após um pensamento errado, uma briga boba, talvez – o estopim. O estopim que faz seus discos, aqueles que estavam conectados magneticamente, ignorarem a lei da atração. Como se, de repente, vocês nunca tivessem conversado sobre qualquer coisa. Como se John Lennon nunca tivesse sido um beatle e se o Nirvana fosse uma boyband (tanto John quanto Kurt poderiam estar vivos e participando de game shows para subcelebridades). É a volta a um começo construído, imaginado para um plano de confortabilidade.

De vez em quando, o começo tem vontade de avançar para o que já foi. Quer se levantar de novo. Não se implora mais pelo amor constante, mas que tal ficar mais um pouco? Um café. Vai lembrar algo, mas quem se importa, realmente? Amanhã cada um já vai estar vivendo sua própria vida de novo. E não adiantam SMS ou planos futuros. Vocês não dão mais certo.



Um lado sempre sai mais ferido e suplica silenciosamente por sinais de vida do outro. Dindi não liga pro bem que você quer e até sabe o quanto machuca, mas resolveu que é hora de amar um outro alguém sim, por que não? Ela sabe que poderá suportar estas dores. Ela provavelmente já se conformou com a ideia de que é sua própria companhia, no fim das contas. E essas ideias todas do que ela estaria pensando: é tudo coisa sua. Ela, com certeza, está pensando em outras coisas. Talvez no final da novela. Talvez até mesmo em você, com um sorriso bobo. Mas nenhum pensamento psicótico. Nenhum desejo de retornar. Se livrou do analista.

Sem comemorações da chegada da sexta-feira, é hora de recomeçar, mesmo que pessimista. C’est la vie. O momento chega. Logo, a dúvida intriga. A vida continua. E sempre vai ter alguma coisa pra gente se inventar de novo. E começar a história toda – seja sozinho no vazio de um apartamento com menos de 30m² ou naquela boa e velha solidão a dois.


Um comentário:

  1. Parabéns Izadora Pimenta,

    Retratou "Canções de Apartamento" com a delicadeza que merece.

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