Tulipa Ruiz, dois cafés e a profundidade disfarçada

Sétima faixa de "Tudo Tanto" retrata as prioridades e o comportamento do ser humano contemporâneo


por Amauri Terto







Dois Cafés não é a melhor faixa do novo álbum de Tulipa Ruiz. Não é a mais inventiva, não é a mais hermética, nem a mais curiosa. Não é a canção que abre o disco, nem a que o encerra. Não é a mais longa, nem a mais curta. Nela, não há gritos e nem sussurros. Em Dois Cafés, Tulipa não lembra Gal.

A sétima faixa de Tudo Tanto tem ares pop, soprados com ajuda de um dos mestres brasileiros do gênero, Lulu Santos. Tal característica provoca na canção o inusitado: impulsiona ao mesmo tempo em que a obscurece diante do público. De um lado, uma maioria reconhece com facilidade a leveza e a levada tão paralelas a um eterno hit de abertura da não menos eterna novela Malhação. Do outro, uma crítica especializada e antipática prefere ignorar a faixa para louvar nas outras dez todas as nuances que ela não tem.

Mas afinal de contas, o que há em Dois Cafés além de um dueto radiofônico? Eu digo. Há um discurso franco e atual sobre uma realidade que pode ser a de qualquer habitante de uma grande cidade. Em suma, há letra que reúne uma porção de inseguranças e dificuldades próprias do período de transição da juventude para a vida adulta. Essa fase cada vez mais obscura. Quando sair de casa aos 18 não configura mais a condição de adulto ou quando casar e ter filhos não representa mais a única, e garantida, visão de futuro satisfatório, a realidade é colocada em xeque. É isso que Dois Cafés faz. É aí que está o seu peso.

Foto: Bárbara Almeida


Em versos breves, as vozes de Tulipa e Lulu questionam as decisões, os desejos, as prioridades e o comportamento desse ser humano contemporâneo. Dessa pessoa que enfrenta diariamente a tarefa da escolha. Mil janelas abertas no desktop. Comer salada, massa ou apertar ainda mais a dieta? Sair com os amigos, ver a família ou gastar um tempo a mais com o meu amor? Ler, ver um filme ou sair para correr? Dar check in, compartilhar ou curtir? Fazer tudo de uma vez, aos poucos ou procrastinar? Assumir os riscos de um sim ou ficar sossegado sob a sombra do não? Uma roda viva diária costurada, amarrada e torturada pelo tempo.

“Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”, diz o primeiro verso de uma brilhante canção de Siba e sua Fuloresta. Frase certeira, traz um diagnóstico límpido dos sintomas dessa pessoa que tenta dar conta de seus questionamentos diariamente. Há uma velocidade que não cessa. Tudo é novo a cada novo minuto. Logo no início de Dois Cafés, Tulipa canta “"Tem que correr, correr. Tem que se adaptar”. Os sintomas são os mesmos, a velocidade é cada vez maior e ainda continuamos humanos.




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