Marinês anda por aí todos os dias

Um ensaio sobre a possível vida da moça paulistana que retrata a música homônima do último álbum do Pullovers



por Izadora Pimenta






Marinês deve estar cheia de bolhas no pé. Não deve ser fácil andar de metrô todos os dias (e a cidade se mostra muito eficiente para ela – em apenas uma hora, ela consegue acordar, se arrumar e chegar no trabalho) para trabalhar em um provavelmente chato escritório de contabilidade. Marinês é apenas mais uma das histórias que pulsam na São Paulo retratada em Tudo Que Eu Sempre Sonhei, o último, derradeiro e aclamado disco do Pullovers.

Provavelmente também é metódica. Tem vinte e três e ainda não concluiu a faculdade. Quais teriam sido os fatores? Será que Marinês, como uma boa futura contadora, fez seu planejamento financeiro para estabelecer a meta do sonho? Deve ter ralado muito atrás de balcões de lojas ou de papeis que não lhe significavam profissão alguma. E, de tanto pensar o futuro, Marinês deve ter se esquecido do presente por um pouco.

Marinês é moradora da Zona Leste. Segundo a pesquisa DNA Paulistano, feita pelo Datafolha, apenas 16,1% da população da Zona Leste possui superior completo – e a tal “sonhada faculdade de contabilidade que ela fez de sonho, realidade” pode ajudá-la a ser inserida neste percentual. A mesma pesquisa aponta que ela pode ser muito bem evangélica e freqüentadora assídua de cinemas, parques e shoppings, e que o mano que a olha no metrô pode ser, muito bem, um corinthiano, como já idealizou Luiz Venâncio, cabeça e voz da extinta banda. A região abriga a segunda maior torcida do time na capital, não dando vez aos sãopaulinos, que são minoria.

Ela é cheia de suas próprias ideias, mesmo que elas não funcionem na prática. Gostaríamos de saber em quem Marinês votou nestas eleições para prefeito. “Voto é secreto”, ela responderia para o chefe contador tarado, mas provavelmente analisaria proposta por proposta com a mesma minúcia que traçou seus próprios planos. É assim que ela também deve fazer com o restaurante no qual almoça e com as roupas que compra nas lojas de departamento – sempre uma combinação.

Nossa heroína quer carregar o mundo nas costas.

E nós sabemos muito bem o porquê.

A tal Marinês nada mais é do que a personificação de todas nós. Que traçamos nossos objetivos nos preocupando com tudo o que seremos daqui a alguns anos, mas somos pegas de surpresa por sentimentos que nos desestabilizam (e isso é bom, não é?). É sensacional o jeito com o qual o Pullovers descreve sua repentina quebra de “tudo de cartesiano” no seu “coração suburbano”: na velocidade de um olhar. Aqueles dois toques de bateria. Um coração. Ao se apaixonar. Aquela onda de que, mesmo na dureza da vida real, existe, existe, existe sim amor em SP, São Paulo, Sampa etc e tal. No metrô, no inferno do metrô, no caminho para o trabalho.  Em qualquer lugar do mundo.

O final feliz da Marinês é digno de novela das oito. Congela.

Mas no metrô 
Alguém chamou 
E ela sorriu,
Gelou…

A máxima do Pullovers é de que ninguém vive sem amor. No álbum, uma declaração de amor rasgada a uma cidade tão bipolar, vários destes momentos são expostos. Mas é Marinês é a que mais se aproxima das nossas esperanças.

Porque Marinês anda por aí todos os dias.

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